Texto de autoria da Dra. Vera Walker, pediatra inglesa que há mais de 25 anos pesquisa o uso terapêutico do leite de cabra, sendo um relato de sua palestra, proferida para criadores de cabras da Inglaterra.

Tradução: Profa. Dra. Aurora M. G. Gouveia
Professora da Escola de Veterinária da UFMG
professoraaurora@terra.com.br


O USO TERAPÊUTICO DO LEITE DE CABRA 

Os fatos a seguir parecem mostrar que o leite de cabra, é tão bom quanto o leite de vaca para todos os seres humanos, mas é muito melhor para aqueles indivíduos que são alérgicos ao leite de vaca.

Os americanos estão bem à frente de nós no que se refere ao estímulo ao consumo de leite de cabra e, já em 1939, encontrei à venda em lojas da cidade de Chicago, leite de cabra, líquido e em pó, embalado em latas herméticas. E foi neste mesmo ano que três pesquisadores, Gamble, Ellis e Besley, publicaram seu trabalho, executado para o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, sob o título “Composição e propriedades do leite de cabra em comparação ao leite de vaca”.

Estes pesquisadores demonstraram, já naquela época, que o leite de cabra é similar ao leite de vaca da raça holandesa, no que se refere à porcentagem de água, gordura, proteína e lactose. Com relação aos teores de ferro e cobre, não ocorreu nenhuma variação sazonal ou entre raças. O teor de ferro foi baixo em todas as amostras, sendo que o leite de cabra não foi inferior ao de vaca.

A diferença mais marcante entre os leites de cabra, vaca e humano é a grande quantidade de caseína presente no leite humano. Constatou-se também a alta taxa de albumina e globulina, em relação à caseína no leite humano e, em menor extensão, no leite de cabra.

Os glóbulos de gordura do leite de vaca holandesa e do leite de vaca Jersey foram, respectivamente, 1,95 e 5,53 vezes maiores que os do leite de cabra. Como exemplo podemos citar que o leite de cabra apresenta baixa tensão para coagular, sendo a coalhada mais macia que a do leite de vaca.

Havendo estabelecimento, por provas bioquímicas, que o leite de cabra é tão bom quanto o de vaca, e melhor em algumas propriedades nutricionais, vamos agora considerar seu valor biológico. A anemia nutricional pode ocorrer, independentemente do tipo de leite.

Esta anemia pode ser curada ou prevenida adequadamente, adicionando-se ferro e cobre ao leite, de qualquer espécie animal, juntamente com o aconselhamento médico às mães, no sentido de adotar dieta variada na alimentação dos bebês a partir dos três meses de idade, descartando-se a idéia errada de que apenas o leite é suficiente para alimentar o bebê até os 6 a 8 meses de idade. Segundo análises, os teores de vitaminas C e D apresentaram alguma variação sazonal e ficaram abaixo das exigências normais para o homem, tanto no leite de cabra quanto no de vaca.

Alergia

Bebês sensíveis ao leite podem pertencer a um dos seguintes grupos:

  • Aqueles que são alérgicos a um fator espécie-específico da lactoalbumina bovina; 
  • Aqueles sensíveis a um fator comum a todas as lactoalbuminas animais (mas não as humanas), ou, 
  • Aqueles sensíveis à caseína.

A maior parte pertence ao primeiro grupo, ou seja, sensíveis a lactoalbumina bovina, os quais apresentam resultados positivos quando tratados com leite de cabra. Agora eu pergunto: como pode esta alergia se manifestar clinicamente? Pais, médicos ou leigos tem observado e reportado durante anos que o eczema infantil pode ser causado por algumas proteínas existentes no leite de vaca. Sem consumo do leite de vaca, os sintomas desaparecem, e quando o consumo de leite de vaca é retomado, os sintomas começam a aparecer novamente.

Infelizmente, o eczema não é a única forma sob a qual a alergia ao leite se manifesta. Em pesquisa realizada em 1952, o pesquisador Fries observou que em um grupo de crianças alérgicas, que apresentavam náuseas, dor abdominal e distúrbios epigástricos logo após a ingestão de leite, o achado radiológico mais freqüente foi espasmo pilórico, resultando em retenção gástrica. Ocasionalmente, o leite de vaca pode causar sintomas agudos de choque, diarréia, vômito e convulsão.

Em 1959, Clein estimou que 65% dos bebês são alérgicos ao leite de vaca durante os primeiros meses de vida e, desta época até os dias de hoje, esta estimativa deve ter aumentado inevitavelmente, em função da menor freqüência do hábito de amamentação natural. Se nós, na profissão de médicos, podemos popularizar o uso de leite de cabra em substituição ao de vaca, pode você como criador suprir a esta demanda?

De minha própria experiência na clínica de alergia em três hospitais, durante 25 anos de pesquisas, e em toda a literatura internacional que pude consultar, fui capaz de constatar apenas um caso em cem (1%), de crianças que eram alérgicas ao leite de cabra não pode corrigir a alegria.

A medida que a criança alérgica cresce, os sintomas de eczemas e os distúrbios digestivos desaparecem, e na idade de 5-6 anos, se sua alergia permanece sem tratamento, os sintomas podem ser asma, colite, enxaqueca e descarga nasal.

Agora vamos considerar aquelas crianças com tamanho abaixo do normal, geralmente com “peito de pombo” (lordose) e respiração ruidosa, incapazes de participar de atividades físicas e esportivas, devido à asma bronquial.

A certeza de que a asma bronquial é causada por inalação de alergenos como pólen, pêlo de animais, ou poeira doméstica, tem resultado geralmente na falha de se tentar identificar a presença de outros alergenos nos alimentos, como sendo a verdadeira causa do espasmo bronquial.

Um entre vários tipos de alimentos pode ser a causa primária da crise alérgica, segundo Rowe, pesquisador da Califórnia que vem trabalhando neste assunto há 40 anos. Ele considera ser a alergia ao trigo a causa mais freqüente, seguida pela alergia ao leite de vaca e ao ovo. Neste país, o queijo de leite de vaca é, sem a menor dúvida, o alimento mais suspeito na ocorrência da alergia, reconhecido por pais e médicos.

A idéia de que um copo de leite por dia é absolutamente necessário para crianças em crescimento é tão fixa nas mentes tanto da população quanto do governo, que é praticamente impossível alguém convencer aos pais de uma criança asmática, de que o leite de vaca é prejudicial. E seria de pouco efeito recomendarmos sua substituição por um copo de leite de cabra por dia, simplesmente porque o leite de cabra não se encontra disponível no mercado, em quantidade suficiente, e durante todo ano.

Em 300 casos em que eu diagnostiquei alergia a lactoalbumina do leite de vaca como principal causa da asma, 270 tornaram-se livres dos sintomas em seis semanas, após substituírem o leite de cabra. Afortunadamente, pude obter estes excelentes resultados porque nas duas cidades em que trabalho, pode-se encontrar leite de cabra pasteurizado em garrafas.

Muitas pessoas, tanto adultas quanto crianças, sofrem de dor de cabeça, sendo a mais forte de todas, a enxaqueca. Enxaqueca é uma dor de cabeça espasmódica, geralmente de um lado da cabeça, começando com um distúrbio da visão, e terminando com náusea e vômito. Dados consideráveis de muitas pesquisas mostraram que aproximadamente 10% da população sofre de enxaqueca e, na Inglaterra, há mais de cinco milhões destas pessoas.

No passado, a única atitude que poderia ser tomada para aqueles que sofriam deste mal, era encaminha-los a um neurologista, que certificava que eles não possuíam nenhum tumor cerebral, e prescrevia alguns medicamentos para tentar amenizar a dor, mas que não preveniam o próximo ataque.

Venho investigando a causa da dor de cabeça em milhares de pacientes durante os últimos anos. Dentre os afetados, encontramos mais de 2.000 casos de enxaqueca. Logo, tornou-se óbvio que os pacientes com casos mais severos, vinham de famílias onde existia o histórico de asma, eczema ou enxaqueca. Esta observação sugere que a alergia pode ser uma possível causa dos dolorosos ataques de enxaqueca.

De 1.682 pacientes com enxaqueca alérgica, encontramos: 

  • 1.460 devido à alimentação;
  • 98 devido a inalantes (substâncias diversas);
  • 99 devido a causas endógenas (bacterianas), e
  • 25 devido a drogas (incluindo o tabaco).

Dos 1.460 pacientes com enxaqueca por alergia à alimentação encontramos: 

  • 92% devido ao leite de vaca e queijo,
  • 35% devido ao trigo,
  • 25% devido a peixe,
  • 18% devido a ovo,
  • 10% devido ao consumo de chocolate.

Pode-se notar que a soma dos percentuais acima não é 100%, porque muitas pessoas são alérgicas a dois, três ou mesmo quatro destes alimentos ao mesmo tempo. Qualquer tipo de alimento pode causar enxaqueca em uma pessoa sensível; assim, todo indivíduo afetado de alergia, deve ser testado em primeiro lugar para alergia alimentar.

São estes 92% de pessoas alérgicas ao leite de vaca que interessam diretamente aos criadores de cabra. Deve ficar claro para estas pessoas, que todo leite de vaca, até mesmo misturado no café, ou no bolo, deve ser evitado. A maneira mais fácil de se conseguir isto, é ter em casa, para uso doméstico em geral, o leite de cabra. O problema é como obter leite de cabra suficiente para 92% das 5 milhões de pessoas que sofrem deste problema.

Conclui-se que o leite de cabra é tão bom quanto o de vaca e, em algumas propriedades e até nutricionalmente superior, e que para aqueles que sofrem de eczema, asma, catarro crônico ou enxaqueca devido à lactoalbumina bovina ele é substituto ideal. Gostaria de finalizar sugerindo: 

  • Que uma lista de todos os produtores de leite de cabra, em qualquer região, deva ser oferecida para os hospitais locais, pelas associações de criadores;
  • Que as possibilidades de se colocar o leite de cabra no mercado com escala e regularidade, pasteurizado, em latas, em pó, etc., devem ser consideradas, e
  • Que as pessoas alérgicas ao leite de vaca tenham incentivo para ter no sítio, uma ou duas cabras leiteiras sadias, criadas de forma higiênica, para consumo familiar.