Produção de queijo de leite de cabra, tipo Camponês, com diferentes teores de fermento lático.

Dra. Vera Lúcia Ferreira de Souza

Engenheira de Alimentos

Professora do Departamento de Zootecnia/CCA/UEM

vlfsouza@uem.br

 

Dra. Rejane Machado Cardozo

Médica Veterinária

Professora do Departamento de Medicina Veterinária/CCA/UEM

rm.cardozo@uol.com.br

 

Dra. Maria José Baptista Barbosa

Zootecnista

Professora do departamento de Medicina Veterinária/CCA/UEM

barbosamjb@hotmail.com

 

O consumo de leite de cabra no Brasil cresceu com a importação de matrizes leiteiras, melhoramento genético e aumento de novas instalações para a produção industrial do leite de cabra. No período de 1980 a 1992, houve um aumento de 51,8% na produção nacional, indicando um crescente interesse na atividade. Uma das dificuldades na distribuição do leite durante o ano é a pequena produção por animal, e a sazonalidade da produção. Para uma possível regulagem de estoque de mercado, pode-se armazenar o leite pelo congelamento ou pela produção de queijos finos.

A CAPRILEIT e a EPAMIG-DTA/ILCT iniciaram em 1976 um longo trabalho de pesquisa sobre a possibilidade de elaboração de queijos finos de leite de cabra, já comercializados no Brasil, e importados da França por preços elevadíssimos. Além de substituir os queijos de leite de cabra importados por similares nacionais, esta pesquisa possibilitou a transferência desta tecnologia aos criadores de caprinos, incentivando o crescimento da caprinocultura no país.

         Com a pasteurização do leite para a fabricação de queijo tornou-se necessário substituir a microbiota natural, destruída pelo tratamento térmico, por outra selecionada para garantir uma padronização. A adição de fermento lático propicia a formação de ácido lático de maneira constante e controlável, abaixando o pH; dificulta o crescimento de microrganismos indesejáveis, pela diminuição do teor de lactose; facilita a atuação do coalho, tornando os sais de cálcio mais solúveis; atua sobre as proteínas, favorecendo a formação de peptídeos, melhorando o aroma e o sabor; controla reações enzimáticas que ocorrem durante a maturação e promove a fusão da massa tornando-a mais elástica e homogênea.

Obtenção da matéria-prima para fabricação do queijo

A ordenha foi realizada manualmente, observando-se os cuidados higiênicos de lavagem e desinfecção do úbere das cabras Saanen. Todos os utensílios utilizados na coleta do leite e produção dos queijos foram lavados e desinfetados. A cultura lática foi constituída de Streptococcus lactis e Streptococcus cremoris.

Processamento do queijo

         O leite foi pasteurizado à 62°C durante 30 minutos, resfriado a 36-38°C de temperatura e transferido para recipientes em aço inox, onde foi adicionado o cloreto de cálcio, na proporção de 25 gramas para 100 litros de leite de cabra. Os 100 litros foram divididos em 4 lotes de 25 litros cada, os quais receberam o fermento lático, nos seguintes teores: 0,0%; 1,0%; 2,0%; e 3,0%.

Em seguida, cada lote de 25 litros foi dividido em 3 lotes de 5 litros, e cada lote de 5 litros recebeu uma quantidade de coalho, suficiente para coagular a massa em 45 minutos, ou seja, 2,5 gramas para 100 litros de leite. Assim que atingiu o ponto de corte, o coágulo foi fracionado em cubos de 1,5 cm de aresta, e iniciou-se a mexedura com duração de 3 minutos, seguida de intervalos de descanso de mesmo período. O tempo total de mexedura foi de 25 minutos, e em seguida, a massa foi separada do soro, distribuídas nas formas, e submetidas a um peso de 20 kg por forma durante 14 horas, para dessoragem completa em geladeira. A salga foi feita por imersão em salmoura saturada (34%) fria, durante 24 horas, e em seguida, os queijos foram distribuídos em uma câmara fria, a temperatura de 12°C e 85% de umidade relativa, onde permaneceram durante 15 dias para maturação. 

Análises microbiológicas

Após a pasteurização, foram feitas as seguintes análises do leite: contagem de coliformes a 35ºC, coliformes a 45ºC; e pesquisa de Salmonella; e contagem de Staphylococcus aureus. Após a maturação, foram coletadas quatro porções de partes diferentes do queijo, através de pequenos orifícios, totalizando aproximadamente 10 g, as quais foram trituradas em um liquidificador com 90 mL de água peptonada (0,1%) por 3 minutos. Foram feitas as seguintes análises do queijo: contagem de bactérias mesófilas e de Staphylococcus aureus; e contagem de coliformes a 35ºC, coliformes a 45ºC; e pesquisa de Salmonella.

Análises físico-químicas

         Foram feitas as seguintes análises físico-químicas do leite fresco: acidez, densidade, pH, extrato seco, cinzas, teor de lactose, de gordura e de proteína. Durante o processamento dos queijos foi medido o tempo de coagulação, e foram feitas análises de acidez e volume do soro. Após a maturação dos queijos, foi calculado o rendimento, e foram feitas as determinações de umidade, cinzas, teor de proteína e de gordura.

Teste Sensorial de Aceitação

         Os queijos após maturação foram submetidos a um Teste de Aceitação, por uma equipe de 100 provadores não treinados, os quais avaliaram os diferentes tratamentos em Escala Hedônica de 1 (desgostei muitíssimo) a 9 (gostei muitíssimo). Na mesma ficha, também foram feitos comentários sobre cor, odor, textura, sabor, e aceitação global dos queijos dos diferentes tratamentos com fermento lático.

Características do leite e dos queijos fabricados.

         A Tabela 1 apresenta os resultados das análises feitas com o leite recém ordenhado, sendo observado baixa acidez, indicando leite fresco. Também, pode ser considerado leite denso, rico em gordura e proteína, características para um bom rendimento na produção de queijo.

Tabela 1. Análises Físico-químicas e microbiológicas do leite de cabra e do queijo.

Determinações

Leite

Queijo

Acidez (°D)

19 ± 0,76

---

Densidade (g/cm3)

1,0338 ± 0,0012

---

Gordura (%)

3,60 ± 0,02

29,90 ± 1,92

Proteína (%)

3,30 ± 0,02

21,60 ± 1,54

Mesófilos (UFC/g)

3,6 x 102 ± 0,28 x 102

5,2 x 103± 0,36 x 103

Coliformes a 35ºC (NMP/g)

1,1 x 104 ± 0,05 x 104

4,3 x 10± 0,34 x 10

Coliformes a 45ºC (NMP/g)

---

---

Staphylococcus aureus (UFC/g)

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---

Salmonella (UFC/g)

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 As análises microbiológicas do leite pasteurizado apresentam índices abaixo do limite tolerável de 4 UFC/ml para coliformes a 45C, ausência de Salmonella em 25 ml, e baixa contagem de bactérias mesófilas, indicando boa qualidade sanitária para queijos na faixa de 36% de umidade.

A contagem total de mesófilos encontrada no queijo (5,2x103 UFC/g) foi superior a do leite de cabra (3,6x102 UFC/g), provavelmente devido às etapas do processamento, mesmo assim, se manteve baixa quando comparada com outras pesquisas.

Durante o período de maturação não foi encontrado no queijo Staphylococcus aureus, e nem presença de salmonela.

A tabela 2 mostra as características do queijo entre os diferentes teores de fermento lático. Podemos observar que à medida que aumentamos o teor de fermento lático, diminui o tempo de coagulação, o que proporcionaria um aumento na produção em escala. O rendimento foi calculado baseando-se na quantidade necessária de leite para produzir 1 kg de queijo, e o maior valor observado foi com 2% de fermento lático, que também apresentou o maior teor de umidade, e a segunda maior média obtida da análise sensorial.  

Tabela 2. Características do queijo em função dos teores de fermento lático

Teor de fermento lático (%)

0

1

2

3

Tempo de coagulação (min)

30,00 ± 0,87a

15,00 ± 0,62b

12,00 ± 0,23c

12,00 ± 0,17c

Teor de umidade (%)

28,37 ± 0,97c

29,45 ± 0,89c

33,45 ± 0,75b

31,50 ± 0,88a

Rendimento (%)

9,00 ± 0,07d

11,00 ± 0,09c

13,5 ± 0,06a

12,50 ± 0,08b

Médias da Análise Sensorial

4,92 ± 0,02b

6,92 ± 0,04a

6,25 ± 0,05a

4,67 ± 0,03b

Letras diferentes na mesma linha indicam diferenças significativas (p<0,05) entre os teores de fermento lático. 

O estudo das médias obtidas da Análise Sensorial mostrou que houve diferença significativa entre os diferentes níveis de fermento, mas não houve diferença significativa entre os provadores, indicando uma equipe homogênea. A análise mostrou que os tratamentos com 1 e 2% de fermento lático não diferem entre si, mas diferem dos tratamentos com 0 e 3%. Acima de 2% as notas dadas aos queijos diminuem, provavelmente devido ao surgimento de sabor amargo, decorrente do aumento de aminoácidos livres provenientes do processo de maturação em concentrações mais elevadas fermento lático. Sendo assim, não seria recomendada a utilização de concentrações superiores a 2,0% de fermento lático.

            Considerando o menor tempo de coagulação, maior rendimento e maiores notas para análise sensorial, a melhor porcentagem de fermento lático para a produção de queijo de leite de cabra tipo “Camponês”, estaria entre 1,0 e 2,0%. Sugerindo que em experimentos futuros sejam testados intervalos menores, como 1,2; 1,4; 1,6 e 1,8% de fermento lático.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ALBUQUERQUE, L.C. Queijos do Brasil. 2. ed. Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais. Instituto de Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, 1986. Cap. 3, p. 134-206.

 

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AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION – APHA. Standard method for the examination of products. 14. ed. Washington, 1985. 410p.

 

BRASIL. Resolução RDC nº 12, de 2 de Janeiro de 2001. Regulamento técnico sobre padrões microbiológicos para alimentos. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/legis/resol/12_01rdc.htm>. Acessado em: 19 maio 2008.

 

CHAVES, J.B.P. Avaliação Sensorial de Alimentos. Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 1980, p.26-32.

 

FURTADO, M.M. Fabricação de queijos de leite de cabra. Livraria Nobel, Rio de Janeiro, 1984, p.125-130.

 

PREGNOLATTO, W.; PREGNOLATTO, D.D.E. Normas analíticas do Instituto Adolfo Lutz-Métodos químicos e físicos para análise de alimentos. Câmara Brasileira do Livro, São Paulo/SP, 3.ed., v.1, 1985, p.225-232.

 

STADHOUDERS, J. Dairy Starte Cultures. Milchwissenschcft Milk Science Internation, v. 4, n.29, p.329-337, 1979.